Com novo avanço da dengue neste ano, ao menos 965 cidades do país já apresentam incidência da doença em patamar que pode indicar epidemia. Os dados são de levantamento do Ministério da Saúde feito a pedido da Folha.
O balanço considera os municípios com incidência acima de 300 casos a cada 100 mil habitantes – parâmetro que, somado ao aumento de casos, é um dos fatores observados por especialistas para qualificar um cenário como epidêmico.
Com 158 mil casos, São Paulo é o estado com maior número de cidades com incidência considerada alta, ou 283 ao todo. Em seguida, está Minas Gerais, com 221, e Goiás, com 146. Três cidades paulistas -Bilac, Nova Aliança e União Paulista- lideram em proporção de casos da doença, com mais de 6.700 casos a cada 100 mil habitantes. A lista engloba ainda as capitais Campo Grande, Belo Horizonte, Goiânia e Brasília.
Dados do Ministério da Saúde apontam que, até o dia 13 de abril, o Brasil havia registrado 451 mil casos da dengue, um crescimento de 340% em relação ao mesmo período do ano passado. Apesar desse aumento, técnicos do governo avaliam que a incidência atual não indica uma epidemia no país, mas localizada em alguns estados e municípios. É o caso das 965 cidades que constam no balanço. A situação nestes locais é dividida. De um lado, alguns municípios relatam uma redução de casos. Outros dizem que a situação ainda é de alerta. “Estamos em alarme 24h”, afirma secretária municipal de saúde de Nova Aliança, Andrea Machado.
Desde janeiro, o alto número de casos da doença levou a prefeitura a organizar mutirões semanais atrás de focos do mosquito e palestras nas escolas sobre como prevenir e identificar a dengue.
Outras cidades também tiveram que adequar a rede para dar conta do avanço de casos. Em Belo Horizonte, cidade que já soma 16 mil notificações, cerca de 54 militares foram deslocados nesta semana para trabalharem em unidades de atendimento a pacientes com dengue.
Também foram instaladas tendas para agilizar a oferta de hidratação a pessoas que aguardam atendimento e apresentam sintomas. O horário de postos de saúde também foi estendido para os sábados. As medidas devem durar por tempo indeterminado. “Ainda temos uma temperatura alta e chuva presente, e ainda estamos recebendo casos. Essa estrutura vai permanecer”, afirma Taciana Malheiros, subsecretária de atenção à saúde.
O professor de infectologia da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, Benedito Lopes da Fonseca, afirma que embora a situação exija atuação da rede de saúde, um aumento de casos neste ano já era esperado.
O motivo está na maior circulação de um subtipo de vírus da dengue que teve pouca predominância nos últimos dez anos: o den-2.Ao todo, a dengue tem quatro tipos de vírus (1, 2, 3 e 4). Isso significa que um mesmo paciente pode ter a doença até quatro vezes. E é justamente essa mudança no padrão de circulação de sorotipos influencia o comportamento de epidemias. “Vivemos uma situação epidemiológica diferente. Ficamos dois anos sem casos, e com isso o sorotipo 2 encontrou uma população bastante suscetível”, afirma Fonseca. “Era uma epidemia anunciada”.
Segundo ele, o fato de haver 83% das cidades com média e baixa incidência indica a chance de novas epidemias nestes locais nos próximos dois a três anos. “Mesmo que a gente faça o controle adequado do mosquito, vamos ter novos casos, porque temos circulação de um novo vírus e a população suscetível.”
CASOS MAIS GRAVES
Além de ter um novo aumento da doença, a maior circulação do tipo 2 também tem chamado a atenção para gravidade dos casos em alguns locais. “Em São Paulo, vemos que o número de casos graves aumentou”, afirma Fonseca.
Balanço do Ministério da Saúde aponta que já foram registrados no país ao menos 3.830 casos de dengue com sinais de alarme e 321 casos de dengue grave, o dobro do ano anterior. Destes, cerca de 35% ocorreram em São Paulo. Especialistas, porém, apontam possibilidade de que os dados sejam maiores devido à subnotificação. “O que a gente observou foi uma sintomatologia diferente de epidemias anteriores, evoluindo com maior gravidade”, afirma José Eduardo Fogolin, secretário de saúde de Bauru, uma das cidades com maior incidência da doença.
A situação levou a prefeitura a concentrar atendimentos em unidades específicas e adotar protocolos para acelerar o tratamento. De acordo com especialistas, alguns fatores explicam esse cenário: uma possível maior “agressividade” do tipo 2 do vírus da dengue em relação aos demais e o histórico de outras infecções -em geral, uma segunda infecção por dengue tem maior risco de complicações.
Mas o que fazer para driblar esses casos? Para Rivaldo Venâncio, coordenador de vigilância da Fiocruz-MS, é preciso estruturar a rede para evitar erros que possam atrapalhar o tratamento dos casos -seja pela demora dos pacientes em procurar a unidade de saúde ou por diagnósticos que não apontam a gravidade do quadro. “Tanto que é raro encontrar alguém que morreu por dengue que tenha sido atendido apenas uma vez”, diz.
A boa notícia é que, agora, pelo histórico das últimas epidemias, a expectativa agora é de redução de casos devido à queda nas temperaturas, o que torna o clima desfavorável ao mosquito. “O impacto pior já passou”, avalia Venâncio. O que não retira a necessidade de investir em ações de prevenção. “Depois desse período, podemos ter novo aumento de casos em outubro.”