A vida do mecânico biriguiense Luís Carlos dos Santos, 54 anos, poderia muito bem ser enredo de um drama para o cinema. Lembra, inclusive, o filme “Lion: Uma Jornada para Casa”, que contou a história do pequeno indiano Saroo, que um dia foi dormir no vagão de um trem e acabou acordando a 1.500 quilômetros de casa.
A saga de Luís Carlos também começou em uma estação de trem, mas aconteceu em Araçatuba, no início da década de 1970. Aos cinco anos de idade, fora deixado para trás pela família, abandonado à própria sorte, na antiga estação ferroviária da cidade.
Luís Carlos caminhava com seu pai, mãe e irmão em direção à estação. Iriam tentar a vida em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul. Mas sua mãe lhe deu uns trocados e o mandou comprar doces em um bar, pois os vendidos no trem eram muito caros.
Ao chegar à estação de trem, porém, o menino não encontrou mais ninguém. O trem já havia saído e a única coisa que achou foi uma pequena mala de roupas deixada em um banco do local de embarque.
Hoje, quase 50 anos depois, o mecânico ainda procura entender o que aconteceu naquele dia. As buscas para encontrar sua família nunca cessaram, mas até agora, tudo em vão.
BANCO DA PRAÇA
Ao ser deixado para trás em Araçatuba, o pequeno passou a viver na rua. Dormia nos bancos da Praça Rui Barbosa e contava com a camaradagem de um guarda que lhe cobria com sua capa.
Nas noites chuvosas, deixava o menino dormir na parte inferior do coreto, que servia de abrigo de instrumentos musicais da banda da cidade.
Durante o dia, saía à procura dos pais. Para comer, contava com a solidariedade das pessoas. “Minha infância foi jogada fora, a gurizada corria atrás de mim na rua, e só comia o que me davam”, conta, lembrando que, na época, ganhou uma caixinha de engraxate e chegou a trabalhar nas ruas.
Os dias foram passando até que descobriu o albergue noturno. Ele não podia ficar ali, apenas adultos eram permitidos no local, mas, pôde contar com a solidariedade dos caseiros que cuidavam do espaço e moravam nas dependências do fundo. Ali, jantava, tomava banho e dormia, para, no dia seguinte, voltar às buscas desesperadas por sua família.
IGREJA
Um dia, o menino foi à Catedral Nossa Senhora Aparecida e deitou em um banco. Estava passando mal. Uma moça se aproximou e, ao tocá-lo, percebeu que estava com muita febre. A mulher deixou o local e ele a seguiu, sentando na mureta de sua casa.
Com pena do menino, a dona da casa, dona Inês Nogueira Rosa, o acolheu. Comprou remédio, deu comida e abrigo durante um tempo. Depois, enviou o menino para São Paulo, aos cuidados de dona Ângela Scaff, mãe do genro de dona Inês. O garoto foi colocado, então, no Instituto dos Meninos São Judas Tadeu, seminário da capital paulista.
Neste tempo, Luís Carlos conta que conheceu uma merendeira de Araçatuba que trabalhava no Instituto. Ao saber de sua história, disse que conhecia sua mãe e sabia onde ela morava. Mas, ao chegar à casa indicada, em Araçatuba, a mulher que poderia ser sua mãe já não morava mais no local.
Sem vocação para o sacerdócio, anos depois, em 1979, foi levado para Aquidauana (MS), para trabalhar na fazenda da família Scaff. Mora até hoje lá, onde trabalha como mecânico na oficina que faz manutenção nos veículos da propriedade.
Casado, Luís Carlos tem seis filhos. Não gosta muito de falar de sua história para eles. Teme que fiquem magoados. Mas sua saga já é conhecida de alguns programas de rádio e televisão do Mato Grosso do Sul, assim como portais de notícias. Tornou pública a sua vida na tentativa de encontrar os pais e o irmão.
INFÂNCIA COM OS PAIS
Do pouco tempo passado com os pais, Luís Carlos se recorda de quando moravam perto do Rio Tietê, entre Birigui e Buritama, onde o pai cuidava de barcos, vendia iscas para os turistas pescarem e atuava como salva-vidas, pois naquela época não havia bombeiros.
Lembra, ainda, que o pai trabalhou em uma lavoura de tomate que pertencia a um agricultor japonês, em Birigui. A família também teria morado um período em Araçatuba, mas como era muito pequeno, não se recorda onde ficava a casa.
Em sua memória, tem a imagem do pai de pele clara, sempre usando chapéu, mancando de uma perna e com mania de morder a língua. A mãe era morena, alta, cabelos negros, lisos e compridos. Recorda-se de que ela fumava. O irmão, de nome Jurandir, era moreno e tinha os cabelos iguais aos da mãe. “Eles cuidavam bem da gente”, conta.
NOMES TROCADOS
Como o menino não tinha documentos quando foi abandonado, acabou ganhando um novo registro de nascimento.
Nele, os nomes de seus pais aparecem como Antônio dos Santos e Maria Aparecida dos Santos e já estariam falecidos, segundo o documento. No entanto, ele garante que seus pais tinham outros nomes. Ele afirma que sua mãe se chamava Creuza Gasparini e o pai, Cícero Prates.
Segundo ele, até seu nome foi mudado. Ele diz que se chamava Luís Carlos Prates, mas no novo documento, o registraram como Luís Carlos dos Santos.
“Naquela época, não existia conselho tutelar, qualquer um podia registrar uma criança, por isso acho que os dados do meu documento estão errados”, explica. Pelo registro, sua data de nascimento é primeiro de janeiro de 1965, mas, segundo ele, certamente é uma data que escolheram na hora, aleatoriamente.
ESPERANÇA
Luís Carlos ainda tem esperança de encontrar os seus pais e desvendar o que aconteceu naquele longínquo dia em que fora abandonado.
E acredita que um sinal pode ajudar sua família a identificá-lo como filho: uma pequena cicatriz no dedo. O corte foi feito durante uma visita a uma fábrica de colchões de Guararapes. Ele brincava de cortar um pedaço de bambu com uma lâmina e acabou se machucando.
Em “Lion: Uma Jornada Para Casa”, a saga do indiano Saroo, baseada em uma história real, teve um final feliz. Ele conseguiu encontrar sua família após anos de separação, com a ajuda do Google Earth.
Seu Luís Carlos segue procurando com a ajuda da internet e da imprensa que se solidariza com sua triste história.
Se alguém souber do paradeiro dos pais de Luís Carlos dos Santos (ou Prates, como ele acredita), é só entrar em contato pelo telefone (18) 997745888.