POR: JEAN OLIVEIRA
Empresas em Araçatuba (SP) e da região estão paralisando ou subutilizando bilhões em investimentos porque não conseguem receber ou enviar, de forma rápida, barata e ambientalmente correta, seus produtos, como grãos, cana, madeira e celulose. Como ocorre pelo Brasil afora, são todas vítimas da falta de intermodalidade de transporte que atinge em cheio o Noroeste do Estado de São Paulo e regiões próximas nos estados do Mato Grosso do Sul e Goiás, com reflexos no Paraná e em Minas Gerais.
Esta é a constatação de uma reportagem especial sobre o potencial e os problemas da intermodalidade de transporte da região realizada ao longo de toda esta semana. O trabalho foi feito em parceria entre a Subchefia de Assuntos Federativos (SAF) da Secretaria de Governo da Presidência da República e a Secretaria Municipal de Comunicação Social da Prefeitura de Araçatuba.
O objetivo foi fazer um diagnóstico sobre o quanto precisa ser investido e de que forma deve ser aplicada a verba para que o município e a região possam explorar a hidrovia, a ferrovia e o asfalto de uma forma eficaz, gerando riquezas e empregos.
A ação conjunta das duas esferas de governo faz parte do planejamento do governo federal para ampliar as alternativas de transporte de cargas no interior do país e do prefeito de Araçatuba, Dilador Borges, que pretende conduzir ações para fomentar o desenvolvimento econômico melhorando a logística regional. “Temos pressa. Araçatuba e a região Noroeste não podem ficar paradas no tempo”, diz Borges.
INVESTIMENTOS
Araçatuba, como todos os municípios à margem dos rios e da estrada de ferro, está na rota de dois grandes investimentos nestes setores que vão trazer benefícios diretos e indiretos.
Grande parte das cargas que vai em direção a Santos é embarcada em São Simão (GO), passa ela região e é transportada em barcaças até Pederneiras (SP). De lá, continuam o trajeto de trem até o cais santista. Porém, o transporte pela hidrovia Tietê-Paraná ficou paralisado de maio de 2014 a janeiro de 2016. Devido a uma severa crise hídrica, o nível do reservatório de Três Irmãos e da eclusa de Nova Avanhandava, no Tietê, baixou ao ponto de impedir totalmente a navegação. As barcaças carregadas com soja, milho, celulose e madeira não conseguiam passar o trecho mais atingido pela estiagem.
Para impedir que isso volte a ocorrer, o governo do Estado de São Paulo contratou a obra de derrocamento (aprofundamento do leito) e ampliação do Canal de Nova Avanhandava, onde o problema foi mais grave. O investimento é de R$ 203 milhões e as obras foram iniciadas em maio deste ano.
Na ferrovia, o valor a ser investido é muito maior. Em troca do prolongamento, por mais 30 anos, do contrato de concessão – que vence em 2028 – a concessionária Rumo vai investir R$ 4,7 bilhões na melhoria da malha paulista. O objetivo é elevar a capacidade de transporte da malha paulista dos atuais 35 milhões de toneladas para cerca de 75 milhões de toneladas/ano.
Ao longo dos quase 2 mil quilômetros de extensão da malha, serão realizadas duplicações de trechos, ampliação de pátios, modernização de via e obras para mitigar os conflitos urbanos entre a ferrovia e os municípios atravessados pela ferrovia.
Porém, a obra que mais interessa às empresas de Araçatuba e Três Lagoas (MS) é a troca da bitolas (largura) das linhas, que hoje são estreitas e antigas. O objetivo é que o trecho passe a ter a chamada bitola larga, que suporta locomotivas e vagões com maior capacidade de carga.
ESTALEIRO
Araçatuba, banhada pelo imponente e limpo Tietê, vê a hidrovia como um futuro que quase chegou. O estaleiro, que foi instalado para construir as barcaças que levariam a região pelas águas do desenvolvimento, hoje é uma oficina à beira d’água.
A reportagem registrou, na segunda-feira (10), o movimento de trabalhadores que fazem manutenção de empurradores e barcaças de uma empresa particular. É a única vida no grande pátio que ficou meses parado por causa da falta de continuidade nos investimentos. A Operação Lava Jato, que investiga indícios de irregularidades, foi o principal motivador para que as promessas de mais de mil empregos diretos e indiretos ficassem num futuro adiado.
Atracados perto do empreendimento, os quatro conjuntos de empurradores e barcaças que substituiriam quase 700 caminhões por meio do transporte fluvial – ambientalmente mais limpo e economicamente mais barato – jazem em um grande e triste estacionamento à beira rio. Até mesmo quem cuida deles lamenta a má sorte. Novinhos, cheirando à tinta, formam um retrato do desperdício.
Bem ao lado do estaleiro, chama a atenção uma grande área vazia que abrigaria um projeto que previa a instalação de um sistema logístico intermodal de etanol com capacidade de movimentar 2,5 bilhões de litros por ano. A operação envolveria logística, carga, descarga, movimentação e estocagem, portos e terminais terrestres e aquaviários, e envolveria transportes multimodais, como dutos, hidrovias (barcaças), rodovias (caminhões-tanques) e cabotagem (navios). Atualmente, o terreno produz apenas sombra por meio de uma velha árvore rodeada de mato amarelado pela estiagem.
EM ESPERA
Com uma malha ferroviária antiga e de pouca capacidade de carga, a região se viu nos trilhos do atraso. Em Araçatuba, a reportagem visitou uma empresa de logística e transporte que não realiza uma operação sequer há oito anos. Por quase uma década, os trabalhadores que restaram do antigo porto seco, que unia caminhões e trens para transporte de carga, vão ao local para manterem vivos os seus sonhos.
São homens e mulheres que limpam o pátio, fazem manutenção de máquinas caríssimas, varrem e passam pano no chão dos escritórios, e aguardam notícias melhores. Os tanques para combustível, o grande armazém e o moderno terminal vivem da memória de quando os vagões cheios davam alguma vida a eles. Os trilhos estão calados e as esperanças dos trabalhadores do local se materializam em um comboio parado no pátio.
DESISTÊNCIA
Em Três Lagoas (MS), a cerca de 150 quilômetros de Araçatuba, as grandes empresas internacionais e nacionais dos ramos de celulose e grãos têm feito investimentos constantes, porém mais de 95% do envio e recebimento de cargas são feitos exclusivamente por caminhões.
A expedição foi à sede de uma das maiores indústrias de processamento de grãos do país e que tem grande atuação no município sul-mato-grossense. Ela recebe centenas de caminhões de soja todos os dias para processamento de grãos e fabricação de biodiesel. E apesar de ter um porto intermodal próprio, o empreendimento precisa escoar toda a produção novamente por meio das rodovias para abastecer os seus consumidores no Brasil e no exterior.
Outra grande empresa do município optou por escoar 5 mil toneladas de celulose, todos os dias, por caminhões até ao porto de Santos. Mesmo com um terminal intermodal próprio, todo já estruturado, a indústria simplesmente desistiu de ir por trilhos e pela água. Apenas uma das empresas de celulose de Três Lagoas utiliza o transporte ferroviário, mas não divulgou qual a porcentagem despachada por esta via. A reportagem acompanhou um destes embarques.
Realidade completamente diferente da encontra pela reportagem no município paulista de Santa Fé do Sul. Pertencente à linha que passa por ali e segue por São José do Rio Preto e Araraquara com destino ao porto de Santos, o municio já tem transporte ferroviário por bitolas largas, com grande capacidade de transporte e tráfego intenso de mercadorias.
SOLIDÃO
Mais ao sul de São Paulo, Presidente Epitácio (SP) convive com “elefantes brancos”. Seu porto intermodal, à beira do rio Paraná, está parado. Apesar da placa que informa a proibição da entrada de pessoas estranhas, um furo na grade, bem ao lado do portão fechado por cadeado, permite o acesso de crianças que vão brincar com suas bicicletas, e de adultos com as mais variadas intenções.
Próximo dali, duas estações de trem – uma antiga e abandonada e outra reformada, mas com tampões de plástico improvisados nas janelas – também denunciam que por aqueles trilhos vidas já não transitam mais. Nem mesmo os moradores do entorno sabem dizer há quantos anos o imponente trem não passar por ali.
A mesma triste solidão em relação à falta de perspectiva é encontrada no município paulista de Panorama. Um porto público, também às margens do ‘Paranazão’, encontra-se igualmente guardado por cadeados. Apenas um sistema de vigilância à distância, por câmeras, empresta alguma dignidade ao local.
O belo pôr do sol da tarde de terça-feira (11) no local deu um ar ainda mais bucólico ao porto das ilusões perdidas. Mesma triste realidade do porto de Bataguassu (MS), onde à margem do rio Pardo, o grande porto com toda sua estrutura está paralisado.
CANAL
A passagem pelo canal de Pereira Barreto serve para lembrar o quanto a engenharia pode ser usada para moldar a natureza de forma responsável, em favor do desenvolvimento.
Considerado o maior canal artificial da América do Sul, é totalmente navegável, com 9.600 metros de extensão, e interliga o lago da Hidrelétrica Três Irmãos, no rio Tietê, ao reservatório da Usina Ilha Solteira, no rio São José dos Dourados, afluente da margem esquerda do rio Paraná. Ele propicia o transporte de cargas e a operação de geração de energia elétrica integrada.
POR ÁGUA
Na ponta mais ao norte do complexo da Hidrovia Tietê-Paraná está o município de São Simão (GO). Numa manhã de sol quente interrompida em seu final por uma esperada chuva, a reportagem conheceu empresas que exploram o rio Paranaíba. A bordo de um empurrador de barcaças de uma empresa francesa que compra soja, entre outros produtos, e os exporta para Europa, pelo Porto de Santos, foram colhidos relatos do quanto a hidrovia necessita de investimentos.
Eles seguem com os produtos até o rio Paraná, passam pelo Noroeste Paulista e chegam à região de Pederneiras. A atual obra de aprofundamento do leito do Tietê, no trecho da barragem Nova Avanhandava, foi apontada pelos investidores como uma das mais importantes para melhorar a navegabilidade. Ela resolve o maior problema, mas sobram dois grandes gargalos a serem resolvidos. De acordo com profissionais que trabalham na hidrovia, em Porto Ferrão (SP), apesar de a ponte estar pronta, não foi liberada para navegação direta. Ali, é preciso desmembrar o comboio.
Em Bariri (SP) a eclusagem também é feita dessa forma, com necessidade de desmembramento dos comboios. Cada uma destas barreiras faz a viagem demorar pelo menos mais quatro horas. O que poderia ser feito em quatro dias, nem sempre é possível, pois os contratempos provocam congestionamentos e inevitáveis atrasos.
Ao deixarem os portos, nos primeiros quilômetros pelo rio Paranaíba, os comboios precisam diminuir a velocidade para desviarem dos pilares de uma ponte abandonada da ferrovia Norte-Sul. O cenário encontra em bem descrito em uma sentença dita, em tom de desabafo, por um trabalhador da hidrovia: “Este país não tem o menor planejamento”.