Convidamos dois especialistas para debater o assunto:
Governo está colocando a carroça na frente dos bois
Por Nelson Marconi*
O governo está propondo uma regra geral para o ajuste fiscal que estabelece um teto para o crescimento das despesas de acordo com a inflação. Uma regra com tais características pode prevalecer por um curto período (pois, do contrário, reduziria demasiadamente a participação do Estado na economia), mas, se não for acompanhada de uma reforma do sistema previdenciário, certamente resultará em cortes de gastos com investimentos (importantes para aprimorar nossa infraestrutura) e com programas sociais, como saúde e educação — as chamadas despesas discricionárias —, o que é indesejável.
Isso ocorrerá porque o grande responsável pelo déficit do governo, hoje, são as despesas com aposentadorias rurais e com servidores, cujas fontes de financiamento são escassas. Se descontarmos o resultado com esses dois regimes de aposentadoria, as contas do governo federal, apesar de fortemente declinantes, ainda são superavitárias.
Se o governo quiser praticar um teto global para a evolução de suas despesas e não alterar as regras de financiamento desses dois regimes de aposentadoria, será necessário um corte significativo de gastos em outras áreas, e os candidatos mais fortes são sempre aqueles mais flexíveis — os discricionários já citados.
Por isso, a lógica correta seria o governo priorizar a reforma da Previdência para conseguir uma redução efetiva dos gastos sem ter que cortar na carne, ou naquilo que é mais importante para a população. Acho que estamos colocando a carroça na frente dos bois.
*Nelson Marconi é professor de Economia da FGV/EESPe presidente da Associação Keynesiana Brasileira
Sociedade precisa acordar para a gravidade da situação
Por Armando Castelar*
Não é segredo que o Brasil tem um grave problema fiscal, que está prejudicando a recuperação da economia. O problema maior é a alta sem fim das despesas primárias desde os anos 1980. No caso do governo federal, essas despesas aumentaram, em termos reais, 5,8% ao ano no período 1998-2015, contra alta média anual do PIB, de 2,6%.
Até pouco tempo atrás o problema era mitigado pela expansão das receitas. O crescimento acelerado do crédito, do consumo, das importações e da massa salarial e a formalização do mercado de trabalho expandiam as receitas tributárias. Privatizações e concessões também renderam recursos. Os gastos aumentavam, mas a arrecadação subia ainda mais.
No governo Dilma, entretanto, a arrecadação já crescia menos. Com a recessão iniciada no segundo trimestre de 2014 ela começou a crescer ainda mais devagar e, depois, simplesmente despencou. E o gasto público seguia crescendo mais que o PIB.
O resultado é uma situação fiscal cada vez mais crítica. Estima-se que o déficit público neste ano seja de R$ 170 bilhões e que a dívida pública feche 2016 em 74,5% do PIB (em 2013 esse índice era de 51,7%).
A sociedade brasileira ainda não acordou para a gravidade da situação e pode ser atropelada por ela, com o retorno da hiperinflação. O governo propôs algumas boas soluções, como o teto de gastos e a reforma da Previdência. É preciso pressionar para que elas sejam adotadas o quanto antes. Quanto mais cedo isso ocorrer, menos custoso será para o Brasil.
*Armando Castelar é doutor em Economia pela Universidade da Califórnia em Berkeley, coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV e professor da UFRJ.