Em atuação pioneira no Estado de São Paulo, a Promotoria de Justiça do III Tribunal do Júri da Capital ofereceu denúncia, em junho deste ano, pelo crime de feminicídio contra o ex-companheiro de Michele, uma mulher trans.
Ela foi morta a facadas, em fevereiro, por Luiz Henrique Marcondes dos Santos, seu parceiro há dez anos. Michele era vítima de violência doméstica. Em novembro, o juiz decidirá se o acusado vai a júri ou não.
A denúncia reflete a interpretação da Lei Maria da Penha no sentido de caracterizar como violência doméstica sofrida pela mulher “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, ocorrida dentro do ambiente doméstico, familiar ou de sua intimidade, podendo ser violência física, psicológica, sexual, patrimonial, moral e tantas outras”.
Para o promotor de Justiça Flavio Farinazzo Lorza, “não há que se questionar o caráter de violência doméstica empregada pelo denunciado à vítima, visto que eram companheiros e coabitavam há dez anos”.
Além do feminicídio – que classifica o assassinato de mulher por razões de gênero como crime hediondo e o inclui como homicídio qualificado no Código Penal -, Santos foi denunciado por ocultação de cadáver. O crime teve motivo torpe, já que foi praticado pelo desejo de se vingar da vítima por ter sentido raiva. A pena pode chegar a 30 anos.
A denúncia reforça entendimento recente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG), que orienta as Promotorias de Justiça do país a aplicar a Lei Maria da Penha em casos de agressões a mulheres transexuais e travestis, independentemente de cirurgia, alteração do nome ou sexo no documento civil.
Para Lorza, a denúncia reflete “um reconhecimento formal de que a violência doméstica deve ser tratada sob o ponto de vista não do sexo, mas do gênero da mulher”. Para a promotora de Justiça Valéria Diez Scarance Fernandes, coordenadora do Núcleo de Gênero do MPSP, “a denúncia de feminicídio contra vítima mulher trans é um marco jurídico e histórico na aplicação dessa lei”.